De acordo com Gilberto Carvalho, a agroecologia tem assumido crescente importância nas pautas políticas do governo. Segundo ele, o governo tem o papel de fazer obras físicas e de estrutura, mas também de disputar valores e contribuir para o desenvolvimento de um projeto de nação que contemple concepções éticas e políticas. Carvalho reconheceu a importância das iniciativas da sociedade civil na origem desse processo e a necessidade da militância na concretização e continuidade dessas propostas.
“Esse programa de agroecologia tem importância na construção do novo Homem, na relação dos humanos com a natureza. Há países que acham que o Terceiro Mundo não deve crescer, que devemos conservar um ambiente que eles destruiram. Vamos defender na Rio+20 o crescimento com inclusão e distribuição de renda justa. Crescer, incluir e cuidar. O atual modelo de desenvolvimento tem nos levado à destruição. Precisamos da militância, e que seja mais um passo firme e forte na construção de um modelo agroecológico. Esse é o futuro que devemos construir”, destacou o ministro da Secretaria Geral.
Questionado pelo fato de a minuta de decreto apresentada pelo governo não refletir a essência e muitas propostas dos movimentos, apesar dos seminários e reuniões anteriormente realizadas com a sociedade civil, Carvalho avaliou que é importante a crítica e o que as primeiras formulações ainda estão abertas a modificações.
“Estou acolhendo a crítica e vou rediscutir com o pessoal, mas eu penso que não devemos considerar isso como ponto final. É um processo dinâmico e temos grande interesse nesse diálogo, que não pode ser falso. Não vamos considerar o documento como definitivo. Essa contribuição vai ser ouvida, e foi bom o alerta porque eu vou trabalhar essa perspectiva”, declarou Secretário Geral da Presidência.
Representando a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Paulo Petersen, Coordenador Executivo da AS-PTA e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Agroecologia, saudou a iniciativa do governo federal de elaborar a Política e de convocar a sociedade civil para o debate. Destacou que frequentemente as organizações sociais são encaradas unicamente pelo seu lado ideológico e que não apresentam propostas concretas e realizáveis.
“Entregamos ao governo um documento com diretrizes políticas e ações. Saímos desse processo bastante fortalecidos e com enormes expectativas do que vai ser anunciado oficialmente. A sociedade brasileira compreende cada vez mais e melhor o papel e o significado da proposta agroecológica para o desenvolvimento rural. Não sem razão, a agroecologia será um dos temas centrais e polarizadores da Cúpula dos Povos na Rio +20. O modelo de desenvolvimento rural dominante está falido ambiental, social e economicamente. Essa é uma constatação que se generaliza no mundo inteiro. É por isso que a comunidade internacional está atenta ao que estamos produzindo aqui no Brasil e espera que sinalizemos caminhos criativos e ousados para que os grandes desafios alimentares, ambientais, energéticos e sociais com os quais a Humanidade se depara possam ser superados”, disse.
Paulo assinala que a função social da terra é uma das premissas centrais que fundamentaram a elaboração das propostas pela ANA à Política. É isso o que justifica a prioridade atribuída à retomada da reforma agrária e o protagonismo da agricultura familiar camponesa e dos povos e comunidades tradicionais como elementos inseparáveis da construção da agroecologia. Além disso, ressalta que a agroecologia não pode ser pensada como uma estratégia para o fortalecimento de um segmento econômico de nicho. Para a ANA, uma Política de Agroecologia deve ao mesmo tempo prever ações que favoreçam a transição do modelo agrícola para padrões mais sustentáveis e ações que penalizem o avanço e coloquem obstáculos à continuidade da agricultura industrial. Dentre as propostas concretas da ANA, algumas são estruturantes e imprescindíveis, como um Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos, um Programa Nacional de Agrobiodiversidade que revalorize os recursos genéticos locais em benefício da autonomia dos agricultores, e a reorientação do enfoque das políticas de assistência técnica e financiamento para a agricultura familiar. “Os dados comparativos dos últimos censos agropecuários não deixam margem a dúvidas que as atuais políticas para a agricultura familiar vêm provocando brutal concentração de renda na categoria, além de aumento da dependência estrutural às indústrias e às instituições financeiras. Essa é a razão pela qual o tema do endividamento vem assumindo nos últimos anos lugar central nas agendas de negociações dos movimentos sociais com o governo. Para que avancemos em um projeto de nação mais democrático e sustentável, como defendeu aqui o Ministro Gilberto Carvalho, precisamos romper com o viés produtivista que caracteriza as políticas públicas”, defendeu Petersen.
Representando o setor da produção orgânica, Romeu Leite, Presidente da Câmara Temática da Agricultura Orgânica, ressaltou que a legislação brasileira dos produtos orgânicos é avançada e includente, mas se restringe à regulamentação e não traz em seu cerne o fomento e mudança nos padrões.
“Esperamos que a Política Nacional mude o modelo de desenvolvimento rural. Somos os campeões no consumo de agrotóxicos e precisamos de um programa nacional para a redução do consumo desses produtos que ao mesmo tempo estimule o uso de insumos orgânicos ou naturais. Falta pesquisa nesse campo para que novas tecnologias possam ser desenvolvidas. A assistência técnica é importante não só para a produção. Ela pode ser importante para que os jovens fiquem no campo. Temos uma série de parceiros no governo, mas eles não são eternos nessas estruturas e precisamos de continuidade”, ressaltou.
Grupo de Trabalho Interministerial
mesa
O Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), composto pelos Ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário, da Agricultura e do Desenvolvimento Social, além do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apresentou o documento Brasil Agroecológico, que serviu de base para o evento. O documento contextualiza o processo de construção da Política, aponta seus objetivos e diretrizes, e outros elementos que orientam seu funcionamento.
Francisco Gaetani, Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente, afirmou que existe apoio do governo para a implantação da Política, mas reconhece que o tema gera conflitos internos e implica reorientação das agendas dos ministérios.
“A proposta tem certo acúmulo, mas tem que engrossar o caldo. Precisamos discutir a gestão desse projeto. É uma agenda que divide, pois não é desprovida de opositores fora e dentro do governo, além da mídia. Precisamos avançar na tradução do que está proposto, com medidas mais orgânicas e que sejam implementadas. Convencer o próprio governo da importância dessa agenda, para que ele a assuma de forma mais plena”, afirmou.
O secretário Executivo Adjunto da Casa Civil, Gilson Bittencourt, também atentou para o fato de o tema ser de fácil discussão na sociedade e no governo, mas difícil tratamento na transformação dos discursos em ações práticas. Ele defendeu que a produção orgânica não deve ser pensada para uma minoria.
“A gente sente as divergências e dificuldades. Temos que avançar em ações de governo para melhorar aspectos de produção, insumos, tecnologia, e daí a importância da assistência técnica, que precisa estar qualificada. Tem que pensar na retirada desses entraves, na ampliação do número de produtores por um lado e por outro o desafio do consumo”, observou.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Secretário da Agricultura Familiar, Laudemir Müller, se comprometeu politicamente com essa ação. Para ele, a alimentação mais saudável e a vida melhor no campo fazem parte de um projeto nacional.
“O meio rural brasileiro não pode ter miséria extrema, tem que ter renda com um sistema de produção mais sustentável: com a agroecologia. Não partimos do zero, mas temos que fazer muitos ajustes e criar novas coisas. Dar um sentido estratégico para os instrumentos, na direção de um caráter agroecológico para nossa produção. Trabalhar de forma articulada, e toda a nossa estrutura está comprometida com esse processo”, declarou.
Plenária final
auditorio
Os movimentos e representantes da sociedade civil se reuniram em três grupos temáticos para negociar com o governo alterações na minuta do decreto que lhes foi apresentada. Um relator de cada grupo apresentou as proposições para a plenária, que decidiu montar uma comissão de negociação com 6 membros da sociedade civil para se reunir com os ministérios até a implementação do decreto. Dentre as propostas prioritárias, foi reforçada a criação de territórios livres de transgênicos e agrotóxicos, além de medidas urgentes para reduzir a produção com venenos, como a retirada de isenções fiscais na sua produção e comercialização e o banimento de produtos já banidos em outros países. As sementes crioulas também foram priorizadas pelas entidades da sociedade civil, que reivindicaram a garantia de acesso aos bancos genéticos da Embrapa e a revisão das regras de transgênicos, assim como a redução das desigualdades de gênero.
Agilizar o processo de regulamentação de insumos orgânicos, rever os mecanismos de créditos e chamadas de Assistência Técnica Rural (Ater), dentre outras propostas, foram relatadas por Eugênio Ferrari, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
“Avançamos no diálogo com o governo em torno à proposta do decreto, mas entendemos que o diálogo em torno das medidas estruturantes está apenas se iniciando. É preciso pensar uma estratégia de ampliar o alcance e o impacto dessas medidas. É necessário que lancemos essa Política com algumas propostas mais ousadas, mesmo sabendo que alguns interesses serão contrariados. É necessário também uma demonstração do governo de compromisso com uma política que vai orientar, mesmo que paulatinamente, um projeto de nação”, disse.
O Conselho Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que será um espaço de participação da sociedade, foi proposto em plenária como de caráter consultivo e ligado à Secretaria Geral da Presidência da República. Diogo Sant’ana, Chefe de Gabinete da Secretaria Geral da Presidência da República, afirmou não “fugir da raia”, mas que é preciso discutir internamente. Além do Conselho, a proposta é que a Política institua também uma Câmara Intergovernamental. A realização de Conferências estaduais e nacionais para monitorar os encaminhamentos da Política também foi sugerida.
“Foi um passo histórico rumo a um Brasil com uma agricultura e desenvolvimento melhor. Fica uma tarefa de curto prazo para a gente dar uma resposta objetiva, e fazer com que esse Brasil agroecológico seja bem cuidado. É muito importante dar efetividade à política e com escala. Acho que já temos vários elementos importantes para isso. O governo vai ter que ver não só o financiamento, mas também a gestão. Então sua capacidade de articulação é um elemento central, para que as ações ocorram em sinergia. Um projeto nacional com agroecologia indica o caminho para um Brasil melhor”, disse Diogo Sant’ana no encerramento do seminário.
Após a realização do evento, Silvio Gomes de Almeida, coordenador executivo da AS-PTA e do Núcleo Executivo da ANA, avaliou que o encontro constituiu um grande avanço no debate da agroecologia no Brasil dentro de um processo que segue em curso. Segundo ele, as organizações, movimentos sociais e redes que compõem o “campo agroecológico” saíram fortalecidos em sua unidade e em sua capacidade propositiva, e foi aumentada e qualificada a participação da sociedade civil junto ao Estado na construção da Política. Por outro lado, as medidas imediatas propostas pelo governo são extremamente tímidas e ficaram muito aquém das expectativas, criadas, inclusive, pelo próprio governo.
“As propostas concretas anunciadas dão claros indicativos da vocação que o governo tenciona atribuir à Política de Agroecologia. Independentemente da pertinência de medidas consideradas individualmente, elas se orientam em seu conjunto para conceber a Agroecologia e os sistemas orgânicos de produção como um nicho de mercado, um enclave produtivo e de consumo, e não chegam a questionar os padrões de produção e consumo que marcam o atual modelo insustentável do desenvolvimento rural. Falta às propostas um nexo que as vincule a uma perspectiva estratégica de transformação da agricultura”, criticou.

(*) Fotos de Martim Garcia/Ministério do Meio Ambiente.