Durante o seminário Economia Solidária, Soberania Alimentar e Agroenergia, realizado em Maringá (PR) na quinta-feira (8), foram apresentadas algumas iniciativas de autogestão protagonizadas pelos agricultores familiares e assentados do MST no Paraná. No mesmo painel foi mostrada também a experiência de uma Cooperativa de Trabalhadores Metalúrgicos que recuperaram a empresa falida e passaram a administrá-la e a Rede BioBrasil que se organiza conforme os princípios da economia solidária.
O sucesso de uma cooperativa de assentados
O representante da Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (Copavi), que tem sede no município de Paranacity, Valmir Strozake narrou a história vitoriosa do assentamento do MST que já existe há 15 anos na região e reúne 90 pessoas de 25 famílias: “Nosso assentamento é coletivo. Lá, a terra não foi dividida e os meios coletivos de produção pertencem a todas as famílias. Quando chegamos, tudo estava completamente cheio de cana, e tivemos que recuperar a terra degradada e organizar o assentamento de forma cooperativada”, disse, dando sua receita para o sucesso da Copavi: “Respeito ao meio ambiente, organização coletiva e economia solidária, com as relações de trabalho entre as pessoas acontecendo sem exploração e com a justa distribuição da renda obtida com o trabalho realizado dentro do assentamento. É o que nos norteia e mantém a cooperativa viva para que possamos ir adiante”.
Strozake enumera os vários itens que compõem a produção da cooperativa: “Principalmente é cana, da qual fazemos açúcar mascavo e cachaça artesanal. Produzimos também leite, queijo e iogurte, hortaliças, legumes e confeitaria. Temos um refeitório comunitário e funcionamos em sistema de agrovila, todas as casas são próximas. As atividades se complementam para alimentar o gado e para a adubação. Tentamos criar um sistema integrado, com a mínima existência de insumos externos, para que o assentamento funcione de forma eficiente. A maior parte da produção é vendida mesmo em Paranacity, com a exceção da cachaça e do açúcar mascavo, que é venda nacional e exportação”.
A Copavi se prepara, segundo Strozake, para “a luta com esse sistema predatório que a produção de agroenergia está se tornando”, e quer fazer de Paranacity um exemplo de alternativa: “Faremos uma tentativa de produzir agroenergia para nossa própria existência, sem agredir o meio ambiente. Teremos produção de álcool e depois de biodiesel, a princípio para consumo interno e depois para tentar expandir. Temos vários desafios a enfrentar ainda, mas estamos desenvolvendo agora experiências mais práticas. É preciso criar novas formas de produção de agroenergia nos assentamentos e para a agricultura familiar como um todo”, disse.
Agricultores familiares contam como se uniram
Outra história vitoriosa foi contada por Maristela Sanches, que é presidente da Bioleite, cooperativa de agricultores familiares dos municípios de Cruzeiro do Oeste e Itapejara d’Oeste: “Vimos a injustiça no campo e resolvemos nos unir para mudar. Não tínhamos noção do que fazer, aí nos falaram da Unitrabalho. Depois, fizemos contato com a Emater e começaram a fazer reuniões com a gente”. Ela narrou os percalços enfrentados pelos agricultores familiares que tentavam se organizar: “Diziam que nosso leite não valia nada, mas tivemos fé e o pessoal foi ajudando a gente. Quando tentamos, disseram que não podíamos registrar a cooperativa, mas o advogado da Unitrabalho disse que sim. É importante estar dentro da lei e fazer as coisas certinhas. Buscar ajuda com pessoas competentes, que estudaram pra isso”, aconselhou.
Maristela avaliou que a Bioleite ainda tem grande possibilidade de crescimento: “A gente ainda não industrializa nosso produto, a gente só se juntou para vender junto. Falta recurso, mas a gente se ajuda”, disse, antes de exemplificar como o agricultor familiar, ainda que indiretamente, pode integrar a cadeia de produção de bioenergia: “Produzir biocombustível talvez não seja o nosso foco, mas o resíduo dessa produção pode nos ser útil, como a torta resultante do esmagamento de algumas plantas que podem servir para alimentar o gado”.
Assentados querem controlar a produção
Saturnino José, do MST, falou sobre a experiência da Coana, cooperativa de agricultores assentados localizada no município de Querência do Norte: “O objetivo é que a Coana seja uma cooperativa regional, discutida para organizar e fortalecer a produção, por isso queremos alcançar outras brigadas do MST, como a Sétimo Garibaldi e a Sebastião da Maia. Temos 89 núcleos de produção, e 19 brigadas de 50”, disse, antes de contar a história da Coana: “A cooperativa começou com o intuito da comercialização, pois achamos que o resultado da produção deve ficar com quem produz. A gente produzia queijo e comercializava, e agora estamos nos organizando para capacidade de 40 mil litros de leite por dia. Compramos uma máquina de beneficiamento de arroz, para comercialização na Região Oeste do Paraná”.
As expectativas dos trabalhadores da Coana frente à expansão dos biocombustíveis é montar pequenas unidades para industrializar e dominar essa produção. "Ao invés de fazer a monocultura de cana, pode se diversificar com vários outros produtos que também possam produzir combustíveis. É preciso não concentrar a riqueza produzida por essa agroindústria nas mãos de um único dono ou dessas multinacionais que vem pra cá explorar a mão de obra e levar a riqueza. Precisamos ampliar o número de assentamentos e de famílias assentadas para que possam ter um sonho concreto para o futuro”, observou Saturnino.
Experiências dos trabalhadores da cidade
João Henrique da Silva, diretor da Cooperativa de Trabalhadores Metalúrgicos de Canoas (CTMC), relatou o processo que a empresa passou, desde que os trabalhadores assumiram o controle da fábrica e passaram a administrar a indústria e produzir para grandes empresas como a Petrobrás . "Nestes seis anos passamos de 104 trabalhadores para mais de 300", destacou João.
A Cooperativa produz de navios a vagões de trem e desenvolveu uma máquina que extrai biocombustível e produz farelo com o objetivo de contribuir com os pequenos agricultores familiares, para que assumam também o processo e o controle sobre sua produção e passem a agregar valor aos seus produtos. A CTMC e a Rede BioBrasil pretendem disponibilizar este equipamento dentro do projeto apresentado no seminário e estimular a produção de agronergia e a organição dos agricultores através dos princípios da economia solidária.
Homero Boucinha, da Rede Biobrasil, também falou de suas expectativas sobre a cadeia produtiva agroenergética: “Para ter poder econômico e fazer uma revolução na agricultura brasileira, temos que ter redes, associações e contatos com o exterior. Se o agricultor apenas vender a matéria-prima, estará vendendo apenas seu trabalho. Não é um produtor, mas um empregado da agroindústria. Temos que lutar para que os agricultores familiares se tornem proprietários da cadeia produtiva e alcançar uma meta de instalação de uma agroindústria de óleo vegetal e ração animal em associação, com desenvolvimento da pecuária leiteira, diversificação da produção em equilíbrio com o meio ambiente, inclusão digital e elevação do nível técnico dos agricultores. Temos que aliar práticas agrosilvipastoris, o que é ecologicamente correto, com a agroindústria, que é economicamente viável, e a economia solidária, que é socialmente justa”, concluiu Homero.
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