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Por Maurício Thuswohl - Agência Carta Maior
MARINGÁ – Os economistas Paul Singer (secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho) e João Pedro Stédile (membro da coordenação nacional do MST), foram convidados especiais do seminário Economia Solidária, Soberania Alimentar e Agroenergia, realizado na quinta-feira (8) em Maringá (PR), numa parceria entre a Unitrabalho, a Universidade Estadual de Maringá e o Sindicato dos Engenheiros do Paraná. Frente a uma platéia formada por agricultores familiares, assentados, técnicos, professores e representantes do poder público, Singer e Stédile abordaram temas como biocombustíveis, aquecimento global, crise na produção de alimentos, alta do preço do petróleo e organização da agricultura familiar, entre outros.
Leia a seguir os principais trechos das intervenções de João Pedro Stédile e Paul Singer no seminário realizado em Maringá:
Contexto econômico da agricultura mundial
Stédile - Estamos em uma nova fase do capitalismo, na qual os setores mais dinâmicos de controle são os bancos e as grandes empresas transnacionais que controlam os ramos de produção em nível global. O neoliberalismo, em termos de modelo econômico, significa que agora as economias do mundo estão dirigidas pelos bancos e empresas, esse é o novo poder econômico dos capitalistas. Nos últimos 15 anos, o capital fez esse movimento de construir grandes empresas para dominar todos os setores da economia. Luz elétrica, telefone, transporte, fábricas, etc, está tudo sob o controle desse capital estrangeiro e internacional. Isso provocou grande mudança, pois nos últimos 15 anos as empresas passaram a controlar toda a produção agrícola mundial. Atualmente, não mais que 40 empresas controlam toda a produção de sementes, de fertilizantes químicos e de grãos, além do comércio desses grãos e da agroindústria (transformadora dos produtos alimentícios), ao ponto que hoje o preço dos produtos agrícolas não é mais determinado por cada agricultor em cada país, mas determinado pelo controle monopólico que essas empresas fazem em nível internacional.
Singer - Os alimentos começaram a subir em 2006. O que está acontecendo é que, em diversos países, a chamada classe c deixou de comer comida de milho e trigo para comer carne e laticínios. O consumo de carne no Brasil aumentou 70%, e o mesmo acontece hoje na Índia. Quando comemos cereais, nós comemos a planta. Quando comemos carne, consumimos as duas coisas, a carne e a planta, mas o problema é que precisamos de sete quilos de cereal para obter um de carne bovina. A demanda por alimentos subiu, e isso exige muito mais terra, sol, água e trabalho humano.
As pessoas querem ter o padrão de vida que a propaganda indica como sendo o padrão dos vencedores. Há escassez de alguns alimentos, e se pergunta por quê não aumentar a produção. Deixar os alimentos escassos ao sabor do mercado é matar gente de fome. Já aconteceram motins por causa disso e outros acontecerão. Um exemplo é a revolta dos mexicanos com o aumento do preço da tortilha causado pela utilização do milho para produzir etanol. Essa crise é uma crise de fome, uma coisa que aparentemente havia sido eliminada. A ONU já fala que as Metas do Milênio para erradicar metade da fome no mundo podem voltar atrás. Se começarem a negar comida, os pobres vão ter que conseguir à unha, ou começar a saquear, como na Argentina. Recordo Celso Furtado e seus escritos clássicos sobre o mito do desenvolvimento. Se formos elevar o mundo ao padrão de consumo do americano médio, romperemos limites da natureza. Esse cenário, que Celso pintou em 1974, está se realizando em 2008.
Aquecimento global
Singer - Se nós quisermos ter uma vida mais longa e de maior qualidade, o padrão de consumo no mundo vai ter que mudar, inclusive para brasileiros, indianos e chineses. Teremos que fazer um só automóvel levar mais gente, criar bolsões de bicicleta e ciclovias, entre outras coisas. O aquecimento global deve ser contido o mais depressa possível. Todos temos algo a fazer, apesar de o aquecimento ter sido causado pelo uso irresponsável dos recursos naturais pelo grande capital. Teremos que voltar a uma dieta de cereais. Seremos condenados à fome se não mudarmos nossa forma de alimentação.
Stédile - Os problemas são tão grandes que a sociedade tem que tomar uma decisão: ou muda ou vai para o brejo. Alguns problemas ficaram mais claros e estão sendo mais bem percebidos pela sociedade. Em São Paulo, morrem no inverno 80 pessoas por semana de doenças pulmonares causadas pelos automóveis. Cientistas advertem que, se o aquecimento global aumentar mais, vai trazer um desequilíbrio na vida do planeta que pode levar inclusive a uma catástrofe do ser humano. Um grande problema é a falta de acesso à água potável para a maioria dos seres humanos. Setenta por cento da água potável do planeta é utilizada para irrigar o agronegócio e só 30% é destinada aos animais e às pessoas.
Petróleo e Biocombustíveis
Stédile - Vivemos o problema da escassez do petróleo, o preço sobe por efeito da especulação feita pelo capital financeiro que corre para comprar petróleo nas bolsas. Outro fator é que os três maiores produtores do mundo, que são Irã, Rússia e Venezuela, estão contra os EUA Uma aliança entre as empresas petroleiras, automotivas e o mercado financeiro passou a estimular a produção de agrocombustíveis, como uma falsa forma de combate à poluição, para conseguir seus objetivos de manter a margem de lucro e a utilização do veículo individual. A produção de agrocombustíveis, por si só, não é solução. Não adianta combustíveis mais saudáveis se não trocar essa matriz de transporte individual. Agora querem usar a mesma terra para produzir os agrocombustíveis.
Os setores petroleiro, automotivo e do agronegócio vieram para o Brasil para produzir aqui, porque sol, água e terra não têm mais na Europa. Os capitalistas vieram com as malas cheias de dinheiro para comprar usina e terra e estimular a produção através do etanol da cana e do óleo vegetal da soja, na forma do agronegócio. Os produtores vão produzir e entregar para essas empresas levarem para o exterior. Nenhum país do mundo se desenvolveu explorando matéria-prima, e a expansão do etanol não vai significar isso para o Brasil. Estão construindo 67 novas usinas de álcool e vão passar de quatro para doze milhões de hectares de cana e etanol, que vai ser todo exportado.
Se acontecer mesmo dessa forma, a expansão do etanol será um enorme prejuízo para o povo brasileiro, provocando a desnacionalização das nossas riquezas naturais. O monocultivo da cana em Ribeirão Preto alterou a temperatura, o clima e o lençol freático da cidade. O etanol feito do monocultivo da cana altera o meio ambiente e, em longo prazo, traz as mesmas conseqüências do petróleo. Quanto mais tiver adubo químico, feito de petróleo, e agrotóxicos, mais vão aumentar as emissões. O agrotóxico glifosato tem três destinos: a terra, a água ou o nosso estômago. Em São Paulo, a cana já substitui o feijão, o milho, etc. Em outros lugares, já está empurrando a pecuária para a Amazônia.
Na área de óleo vegetal, não estão interessados na exportação. Justiça seja feita, o Programa Nacional de Biodiesel foi criado para dar uma alternativa à agricultura familiar. Mas, até agora o programa não cumpriu seu objetivo original, que é produzir a partir de outros tipos de plantas, como mamona, mandioca, batata-doce.
Singer - A crise dos alimentos é causada pelo preço do petróleo, que está num patamar que ninguém poderia imaginar. Pela lógica do mercado, quando um produto fica escasso e a demanda cresce é preciso aumentar a produção. Mas, a produção não está crescendo, pois isso possivelmente não convém ao capital internacional. O petróleo hoje é um limite econômico para a expansão. Países que estão crescendo muito, como China, Índia e Brasil, estão transformando boa parte de sua população pobre em classe média. A chamada classe c, nos últimos anos, teve um crescimento espetacular nesses países.
O preço dos alimentos cresce muito, e isso tudo é causado pela demanda de petróleo. Tem muita queima e a produção não acompanha. O papel do capital financeiro é jogar com o aumento de preços, e já dizem que o barril de petróleo vai para 200 dólares. A especulação atual se intensifica porque também é interessante para as empresas e companhias de seguro comparem o petróleo agora, porque daqui a seis meses o preço do produto estará ainda maior.
Agricultura familiar e agroenergia
Singer – Estudos da ONU comprovam a multifuncionalidade da agricultura camponesa, da agricultura familiar. A monocultura é a principal responsável pela perda de terra e água e pela nossa incapacidade de atender à demanda por alimentos. Hoje, vemos o uso dos agrotóxicos em várias extensões, e não existe água em vários lugares de terra arável. Você não consegue fazer a monocultura sem usar muito agrotóxico. É preciso acabar com a agricultura capitalista mundial, com a monocultura, e fazer uma agricultura familiar em escala ecológica. Temos que mudar radicalmente a forma de produzir os nossos produtos.
O que a humanidade está pedindo é uma nova revolução agrícola, diferente da Revolução Verde sobre a qual se basearam os conceitos do agronegócio. O passado se tornou o futuro, e hoje aqueles que detiveram os conhecimentos da agricultura ecológica são a nossa esperança. A agricultura familiar hoje é mais rentável do que a agricultura quimificada. Os insumos ficaram muitos caros por causa do preço do petróleo. A agricultura familiar é menos nociva para o meio ambiente e mais segura para os trabalhadores do que o agronegócio. Estamos numa baita crise, mas nós sabemos o caminho para sair dela. Precisamos de políticas nacionais e internacionais que regulem a forma de usar o solo e a água. Não é para outra geração, é para ontem. Os agricultores familiares são a nossa esperança.
Stédile - Temos que implementar projetos da classe trabalhadora. É possível produzirmos agrocombustíveis de uma forma mais equilibrada no meio ambiente, sem substituir os alimentos, mas também potencializando a produtividade dos alimentos. Os resíduos da produção podem ser usados como fertilizantes ou alimento para o gado. Isso só pode ser feito se o agricultor destinar apenas uma parte de suas terras para a agroenergia, e ao mesmo tempo, construir pequenas usinas. Fazer de forma cooperativada, ser dono de uma micro-usina, que pode ser feita pelas cooperativas de metalúrgicos, o que seria, inclusive, um exercício de complementaridade. Assim, podemos produzir energia sustentável, que dê mais renda e cidadania. Temos que criar em cada município pólos de produção de energia para que o agricultor familiar não dependa mais da Petrobras. Se fizermos isso em todo o Brasil, vocês vão ver que o povo vai se apoderar. Não existe independência política e econômica sem soberania alimentar. Precisamos produzir nossa própria energia.
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